sábado, 27 de março de 2010

PORQUE FREUD REJEITOU DEUS?

Por Gildásio Jesus Barbosa dos Reis

Obra Resenhada:

RIZZUTO, Ana Maria. “Porque Freud rejeitou Deus?”

Sobre a autora: Ana Maria Rizzuto é analista supervisora e treinadora no Psychoanalytic Institute Of New England, East. Recebeu em 1996 o Prêmio William C. Bier da American Psychalogical Association e, em 1997, O Prêmio Pfister da American Psychiatric Association por suas contribuições ao estudo da religião. A Editora Sinodal publicou um de seus livros – “NASCIMENTO DE DEUS VIVO, O - UM ESTUDO PSICANALÍTICO” (1979)

Rizzuto é conhecida nos meios psicanalíticos nos Estados Unidos e Europa pela seriedade de seu trabalho científico e pela contribuição específica que tem dado ao estudo psicanalítico da religiosidade.

Sobre a sua obra “Porque Freud rejeitou Deus?”

Sigmund Freud conhecido como um dos grandes pensadores do século XX. Conhecido como o pai da psicanálise, também se empenhou em analisar algumas das grandes questões da humanidade. Dentre estas, o maior esforço talvez tenha sido dedicado á questão da religião. A esse assunto, ele dedicou várias passagens na sua obra, sendo que dentre elas se destacam, Moisés e o Monoteísmo e o ensaio intitulado O futuro de uma ilusão , este último li recentemente, e espero mais futuramente, fazer um contraponto com o pensamento de João Calvino.

“Educado no judaísmo, muito cedo Freud fez a opção por um caminho muito distinto do que aprendera em seus anos de infância, junto à sua família que era religiosa”. Porque Freud rejeitou Deus trata-se de uma obra baseada em intensas pesquisas documentais. O livro, dividido em 12 capítulos, prende a nossa atenção pelo conteúdo denso e por ser de agradável leitura. Como ela mesma diz no prefácio (cf. p. 11 e 12) da obra, ela parte de uma visita que fez, em 1992, a uma exposição, onde ficou impressionada com a coleção de antiguidades de Freud. Na exposição está uma bíblia ilustrada de Philippson que ele ganhou de seu pai em 1891. Ela então, percebe a estreita correlação entre as figuras da bíblia e as estatuetas da coleção. Na sequência da pesquisa ela descobre que a coleção começou após a morte do seu pai Jakob, em 1896. Daí ela usa o livro para demonstrar e responder a questão de Deus na vida de Freud, passando pela figura do pai, da mãe e de sua religiosidade.

Breve síntese

Capítulo 1: A autora intitula “A compulsão de Freud por Colecionar antiguidades”. Neste ponto, Rizzuto procura estabelecer a relação entre a coleção e a morte do pai de Freud.

Capítulo 2: “A História da Família” - e no Capítulo 3 “Jakob e Catástrofe”, a autora descreve vários eventos que marcaram a história de Freud em família.

Capítulo 5: “A Dedicatória e a resposta de Freud”, mostra a relação de Freud com seu pai, e as razões de Freud para deixar de dar atenção à Jakob.]

O capítulo 6 e 7 são investigadas as influências que a Bíblia de Philippson teve na pessoa de Freud e a interpretação da relação desta Bíblia e com seu pai. O Capítulo 8 descreve a religiosidade de Freud, mas que depois, nos anos de estudos de medicina, viria a se tornar um ateu. É no caítulo 9 que Rizzuto desenvolve as teorias de Freud sobre a religião. No capítulo 10 e 11, a mãe de Freud, Amalie Freud, nos é apresentada e como foi o relacionamento entre ela e seu filho.

É no capítulo 12 que Rizzuto aplica as idéias de Freud a sua própria descrença, pois, conforme ela mesma afirma, as normas psíquicas que favorecem a crença devem também condicionar a descrença (Rizzuto p. 224)

Análise crítica

A autora interpreta elementos contidos na teoria freudiana e em seu desenvolvimento para mostrar as razões que fizeram de Freud um opositor ferrenho da religiosidade e suas instituições.

A obra de Rizzuto é riquíssima em informações sobre o desenvolvimento de Freud e as circunstâncias de sua vida. Ela elabora uma interpretação psicodinâmica da rejeição a Deus, afirmando que a vida e as relações familiares de Freud impossibilitaram-lhe acreditar num ser divino providente e protetor. O livro reconstrói aspectos significativos da relação de Freud com seu pai e sua mãe, sua ama-leite e outros parentes próximos e esboça sua evolução religiosa, desde as crenças convencionais de um jovem a até a descrença do adulto.

Porque Freud rejeitou a Deus –trás uma interpretação a respeito das raízes psicodinâmicas do ateísmo de Freud retoma não só as indicações anteriores, mas as integra e supera de modo magistral e elegante.

O que caracteriza sua pesquisa sobre o percurso que levou Freud a rejeitar tão radicalmente a idéia de Deus não é a discussão teórica dos conceitos da psicanálise. A atenção de Rizzuto se volta, em um trabalho de detalhada garimpagem analítica, é para os vínculos inconscientes e conscientes que Freud estabelece com as pessoas significativas que marcam sua infância, já na fase pré-edipiana. Cumulando uma lacuna que se deve ao próprio Freud – sempre mais preocupado em vincular a atitude religiosa aos laços estabelecidos na fase edipiana com o pai – Rizzuto traz dados interessantíssimos sobre suas vinculações com a mãe e com a famosa ama que o levava à Igreja Católica, para grande alegria do menino então de tenra idade. Há outros detalhes preciosos, do ponto de vista interpretativo, no material levantado por Rizzuto, no intuito de mostrar como o mundo de Freud estava marcado, em seus detalhes, por antigas experiências removidas no nível do inconsciente.

O raciocínio de Freud em favor de suas teses anti-religiosas, como sabemos é muito complexo. Enfatizo que, para Rizzuto, a consideração em torno da formação da imagem de Deus de Freud não invalida a força de seus argumentos e teses científicas sobre a religião. Essa é uma questão que Rizzuto prefere não afrontar, dizendo, porém, que diverge tão somente do reducionismo racionalista de Freud e não da psicanálise que ela cultiva há vários anos. Para Rizzuto é indispensável que olhemos com mais objetividade para a origem autobiográfica de alguns dos elementos constitutivos de algumas das hipóteses de Freud sobre a religião e a formação da imagem de Deus, como ela mesma demonstrou em seu livro: "O nascimento da idéia do Deus vivo", de 1979.

Rizzuto decidiu-se a investigar mais a fundo aquela interessante coincidência. Ela examinou com atenção cada detalhe da vida do fundador da psicanálise, procurando aí as raízes de seu ateísmo militante. Ela demonstra que as experiências familiares vividas por ele no seio de sua família, com a mãe, o pai, a ama de leite etc tornaram psicologicamente impossível nele a formação de um Self capaz de "acreditar em" e de aceitar relacionar com um Deus providente, por ele nunca vivenciado como "suficientemente bom". Ao criticar, em sua auto-análise as ilusões infantis e juvenis que foi reconhecendo em suas representações de Deus, Freud teria optado, segundo Rizzuto, por recusar a possibilidade de reconhecer a existência de Deus. Preferiu firmar-se em uma posição racional que para ele superava aquela "ilusão", tornando-a desnecessária. Da crítica daquelas ilusões ele, ao que parece, nunca logrou passar à sublimação e transformação dos desejos e medos infantis nelas expressos. Os vínculos mais profundos de "não acreditar em" permaneceram por baixo de sua cerrada argumentação teórica.

A tese racional de que "a religião perpetua a ilusão infantil de estar protegido por um pai bondoso" e de que "adultos maduros devem se libertar do anseio da infância por esse pai", não foi aceita por Rizzuto (Rizzuto, 2001, 14 ). Ela pesquisou detalhadamente a biografia de Freud, buscando indícios que mostrassem que, por baixo de sua densa argumentação racional existiam vínculos inconscientes cuja raiz guardava ambigüidades ditados pelo inconsciente. Um ponto pouco conhecido e amplamente trabalhado por ela é dos laços de Freud com sua mãe, que propiciam uma visão nova de seus relacionamentos com o pai.

Rizzuto termina sua obra, lamentando sua dificuldade de não poder falar diretamente com o pai da psicanálise, tendo que se “contentar com as migalhas deixadas pelos seus biógrafos”

Nesta pesquisa, a mesma que ela, como psicanalista, está acostumada a fazer com seus clientes no divã, ela diz que sua busca foi guiada por "Freud mesmo...com suas teorias sobre a formação e a transformação das representações de Deus e as emoções ligadas a elas"[...] E conclui: "Suas teorias sobre a religião podem ser lidas como uma psicobiografia não propositada da sua transformação particular e impremeditada em um "judeu sem Deus" . (p. 255).

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