terça-feira, 16 de junho de 2009

Características sociais do Homem Urbano

O estudo das relações entre cidade e população leva, em um segundo momento, a indagarmos que tipo de ser humano habita a cidade. Seria possível normatizar um conjunto de traços em comum entre as várias pessoas que compõem a população urbana? Pesquisadores como Simmel, Wirth e Engels têm apresentado estudos discordantes sobre este tema.[1] De qualquer forma, podemos traçar algumas características fundamentais do homem citadino:

1. Indiferença. A indiferença é um traço marcante do homem metropolitano,[2] e Simmel[3] destaca que o homem da cidade tem um traço fundamental da “indiferença” para com o seu semelhante.[4]. Engels, que antes de Simmel, já identificara a “indiferença” como um traço essencial da psicologia do metropolitano moderno disse:

Atropelam-se apressadamente como se não tivessem nada em comum, nada para fazer uns com os outros, e entre eles existe apenas o acordo tácito pelo qual cada um vai na parte do passeio à sua direita para que as duas correntes da multidão, que se precipitam em direções opostas, não lhe interrompam, por seu turno, o caminho; e, todavia, nenhum se digna a olhar para os outros. A brutal indiferença, o insensível isolamento de cada um no seu interesse pessoal ressalta de forma tanto mais repugnante e ofensiva quanto maior é o número destes indivíduos singulares que estão concentrados em um espaço restrito; e ainda que saibamos que este isolamento do indivíduo, este estreito egoísmo é em toda a parte o princípio fundamental da sociedade de hoje, em nenhum lugar, porém, ele se revela de forma tão aberta, tão consciente como aqui, na multidão da grande cidade.[5]

2. Anonimato e isolamento. O grande e rápido aumento do número de habitantes afeta os relacionamentos, diminuindo assim as possibilidades das pessoas conhecerem-se mutuamente. Apesar de encontrar muito mais gente as relações são segmentárias, transitórias, impessoais e superficiais. O resultado disso tudo é o chamado isolamento ou a síndrome da invisibilidade. Alguém por perto não significa, necessáriamente, "proximidade".

3. Competitividade. Segundo Wirth (1973) a vida em contato tão estreito e o trabalho comum, de indivíduos sem laços sentimentais ou emocionais, deselvolvem um espírito de concorrência e exploração mútua.

4. Despersonalização ou impessoalidade. A variedade de tipos de personalidade é tão grande que gera uma estratificação social muito maior que a encontrada em grupos menores e mais integrados e favorece o que Wirth denomina despersonalização. Segundo ele, “nossos conhecidos têm a tendência de manter uma relação de utilidade para nós, no sentido de que o papel que cada um desempenha em nossa vida é encarado como um meio para alcançar determinados fins”.[6] O desdobramento desta face da vida urbana, é a tendência de nivelar todos os seus habitantes. Para lidar com essa intensa diversificação, as instituições sociais acabam por tratar os habitantes como categorias e não como indivíduos. Assim, as pessoas são vistas como números e coisas.

Rev. Gildásio Reis

[1] O próprio Wirth salientou, o efetivo populacional do homem da cidade é necessariamente heterogêneo, o projeto de estabelecer uma caracteriologia demasiado esquemática do homem urbano poderia se chocar, precisamente, com a diversidade humana que a cidade abarca. (Cf. WIRTH, Louis "O Urbanismo como Modo de Vida". In: VELHO, Otávio G. (org.) O Fenômeno Urbano. Ed. Guanabara, Rio de Janeiro, 1973. p. 97-98)
[2] LINS, Ronaldo Lima. A Indiferença Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Editora URFJ. 2006. p. 8
[3] Sociólogo, Filósofo e Psicólogo, alemão, considerado como pertencente á Escola de Sociologia Alemã, juntamente com Karl Marx e Max Weber. É considerado por muitos autores um dos pais da sociologia moderna.
[4] Revista de História Regional 12(1): 163-174, Verão, 2007
[5] ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, São Paulo: Global, 1985, p.53.
[6]

sexta-feira, 12 de junho de 2009

UMA TEOLOGIA BÍBLICA DA CIDADE


Nova Jerusalém
UMA TEOLOGIA BÍBLICA DA CIDADE

na perspectiva de Apocalipse 21
Rev. Gildásio Reis


A Cidade Santa (21.9-14)
O Adorno da Cidade (21.15-21)
A Iluminação da Cidade (21.22-27)

A Nova Jerusalém é apresentada no livro do Apocalipse como a culminação da história humana. Na Nova Jerusalém todas as promessas de Deus às sete Igrejas da Ásia são cumpridas numa demonstração final da fidelidade divina a Aliança da Graça[1].

A visão da Nova Jerusalém aparece no final, depois de completado o plano de Deus para o mundo. Depois que o julgamento final acabar, a Nova Jerusalém desce do céu indicando que esta cidade era o objetivo final de Deus.

A nova Jerusalém está “descendo do céu, da parte de Deus”. O escritor de Hebreus fala de uma Jerusalém celestial, Monte Sião e cidade do Deus vivo (12.22; ver também 11.10, 16; Gl 4.26). Esta cidade projeta permanência, segurança, beleza e plenitude. Ela tem sua origem no céu e se deriva de Deus, o qual se agrada de habitar com seu povo. No Apocalipse, o nome Jerusalém ocorre somente aqui e em 3.12, e é uma alusão não à capital de Israel, mas à cidade espiritual de Deus. Esta nova Jerusalém que se encontra cheia do povo de Deus desce à terra, razão pela qual o céu e a terra se fundem em um só.[2]

O contexto da visão da Nova Jerusalém é a nova criação. O começo do capítulo 21 do Apocalipse expressa o começo do novo mundo físico. A Nova Jerusalém desce dos céus num ambiente completamente novo[3]. E com ela Deus nos apresenta uma nova forma de relacionamento com a cidade. Já que Deus vive naquela cidade, só o seu povo pode entrar. Conseqüentemente não haverá mais pranto, dor ou morte (Ap 21:4), porque tudo isto é contrario à natureza divina.

João é levado ao topo da montanha de onde ele assiste a descida da cidade: uma cidade incrivelmente bonita. Todas aquelas pedras preciosas, jóias e o mais importante, a glória de Deus brilhando nela. As medidas da cidade são descritas com grande cuidado; a cidade tem o mesmo formato do Santo dos Santos no Tabernáculo[4].

É claro o porque João ter visto um Templo na cidade. A própria cidade é um Templo.[5] O próprio Deus está morando nela. Deus não está mais no meio dos povos, ao contrario, os povos estão vindo encontrar-se com Deus na Sua própria cidade. onseqüentemente não há necessidade de sol, lua ou nenhuma outra forma de luz. A glória de Deus é a luz da cidade (Ap 21:23). Mas a visão de João não termina ai. Ele continua como que descrevendo o propósito desta cidade.

Os próximos três versos se concentram em três aspectos muito importantes desta cidade:

1) Os reis da Terra vão trazer sua glória para a cidade;
2) As portas da cidade jamais se fecharão, porque jamais haverá noite nela;
3) E a glória e honra das nações vão ser trazidas para esta cidade.


Para podermos entender o contraste destes três aspectos da Nova Jerusalém, é preciso apreciar as características das cidades descritas na Bíblia. Em geral estas cidades eram do tipo cidade-estado. Elas tinham muros para proteção contra inimigos; portões para facilitar a entrada e a saída; casas para acomodação do povo; ruas que levavam ao mercado central e também ao palácio onde o rei vivia. Muitos dos aspectos da Nova Jerusalém são parecidos com estes. A Nova Jerusalém tem muros, mas não para proteção contra inimigos, e sim para permitir que a glória do Rei brilhe. Ela também tem portões, mas estes são somente para entrada. Ninguém sai porque todos vieram ver o Rei. A Nova Jerusalém tem ruas que levam ao Trono do Rei, aonde o povo vai louvá-lo e cultuá-lo para sempre. É obvio que embora a Nova Jerusalém não seja uma imagem completamente nova do que uma cidade é, ao contrario, a Nova Jerusalém é aquilo que a cidade deveria ter sido desde o começo.

A Primeira Cidade Mencionada na Bíblia

A primeira cidade mencionada na Bíblia é a cidade fundada por Caim (Gn 4:17). O contexto em que esta cidade é apresentada é muito importante. Caim estava discutindo com Deus sobre o que ele havia feito para com seu irmão e qual seria o julgamento de Deus sobre ele. Caim reclama de que ele não suportaria aquele castigo e Deus, cheio de compaixão em sua graça, permite que Caim não fique em completo desespero, sem nenhuma proteção. Caim ficou contente com a solução divina porque ele não ficou solto num mundo em anarquia total.[6] A ele foi permitido se encontrar com outras pessoas e, inclusive, construir uma cidade. Conseqüentemente a cidade em si não era uma coisa ruim; ela surgiu diretamente da graça de Deus. Kline até argumenta que a construção de cidades era o propósito do “Mandado Cultural”[7]

Se o conceito da cidade não está errado em si próprio, qual é o problema então? O problema é o uso que foi feito dela pelo homem caído que estragaram o propósito da cidade. Quando Caim inaugura a cidade ele a nomeia em homenagem a seu filho chamado Enoque. Desde o recomeço Caim comete o mesmo erro que o levou a matar a seu irmão. Ele estava mais preocupado em edificar seu próprio nome ao invés de dar glórias a Deus por aquilo que Deus havia feito por ele. A narrativa mostra uma situação até pior com o progresso da genealogia. Lameque, um descendente direto de Caim, usa sua autoridade de líder da cidade para quebrar os mandamentos de Deus em relação à família: ele toma para si duas esposas. Como se isto não bastasse, ele também abusa da sua autoridade e estabelece leis opressivas para lidar com aqueles que não concorda com ele. As palavras de Lameque às suas esposas, claramente demonstram sua rebelião contra Deus: “Sete vezes se tornará vingança de Caim, de Lameque, porém, 70 vezes sete” (Gn 4:24). Isto é uma perversão do propósito divino para o estado.[8]

Como Kline diz, também a cidade se torna o Templo do homem.[9] Lameque, em suas próprias palavras está tentando ser como Deus.

A narrativa é interrompida neste ponto e a genealogia de Sete é apresentada, mas logo depois desta o autor volta ao tema da cidade dominada pelo homem. Em Gênesis 6, nós temos a razão porque Deus mandou dilúvio. O abuso de autoridade agora é ainda maior. O número de pessoas aumentou e o número de casamento também, e no versículo 5 nós vemos que a maldade continuava e o desígnio do coração era continuamente mau.

Provavelmente a pior fase desta narrativa é a atitude dos lideres (Gn 6:2). Eles se chamavam a si mesmos Filhos de Deus.[10] Eles falam como se Deus não estivesse no controle e também agem como Deus e tomam as responsabilidades de Deus, como se fossem seus filhos. Deus não poderia mais agüentar esta situação e então Ele os destrói com o dilúvio.

Com o remanescente desta destruição, Noé e sua família, Deus começa aquilo que poderia ser chamado de a “re-criação”. Os paralelos entre a criação original e esta não é somente simbolismo, mas um paralelo nas próprias palavras de Deus. O mesmo caos em água aparece nos dois episódios. Mas o mais imprescindível é que o “Mandado Cultural” é repetido em Gn 9:1. Isto é um sinal claro de um novo começo. Infelizmente é a história do homem tentando tomar outra vez lugar de Deus. O propósito é claro: eles querem uma cidade que engrandeça o nome deles, ao invés de irem, através da Terra, como Deus ordenara (Gn 11:4).

Este estado de apostasia se tornou mais uma vez insuportável para Deus. Entretanto, Ele se mantém fiel a sua Aliança com Noé e não destrói o povo. Deus apenas promove uma confusão na língua deles, de maneira que eles abandonam aquele projeto e fazem aquilo que eles deveriam ter feito desde o começo (Gn 11:6-7).

O contraste entre estas duas cidades e a Nova Jerusalém é claro. Enquanto estes tiranos opressores usam as cidades para a sua própria glória e propósito, na Nova Jerusalém os reis da Terra vêm para apresentar a glóriade Deus. (Ap 21:24). O propósito de Deus jamais falha. Na Nova Jerusalém Deus claramente demonstra o seu propósito escatológico para a cidade.[11] A cidade era para ser um lugar onde os reis viriam para exaltar o Rei dos Reis e não para elevar a si próprios. Duas vezes no começo da historia humana Deus atuou para corrigir esta perversão.

Contraste Entre a Cidade dos Homens e A Cidade de Deus

Na Nova Jerusalém “as nações andarão mediante a sua luz” (Ap 21:24). Jamais haverá noite naquela cidade (Ap 21:25). Que contraste em relação as cidades construídas pelos homens. Mesmo durante o dia era perigoso andar pelas ruas por causa do despotismo daqueles que tomaram o lugar de Deus naquela cidade. Não havia segurança para aqueles que estavam oprimidos. É inclusive possível dizer que até durante o dia na cidade dos homens, é sempre noite. As ameaças da noite estão sempre presentes. Na Nova Jerusalém, entretanto, as nações podem caminhar livremente, porque as luzes da cidade vêm daquele que a construiu: Deus. Não há ameaça nas ruas da Nova Jerusalém, por isto seus portões estão sempre abertos. Não há mal na cidade, somente aqueles que podem viver diante da glória de Deus a esta cidade pertence. Conseqüentemente, a Nova Jerusalém é somente para aqueles cujos nomes estão escritos no livro da vida.[12]

Deus em seu plano soberano não construiu a Nova Jerusalém imediatamente, porque Ele não poderia deixar o homem sem um ponto de referência sobre o que ele deveria fazer. Então, de um dos povos que saiu do caos de Babel, Deus escolhe um homem e torna-o especial. Porque ele era especial? Não só porque ele havia sido criado por Deus mesmo, mas também por causa do que ele representava para a humanidade, de acordo com o plano divino. Em Gênesis 12, quando Deus escolhe Abrão, mais uma vez ele declara o seu plano universal: alcançar todas as nações. Como poderia Deus conseguir isto? A Lei que ele deu ao seu povo demonstra como. Agora, pela primeira vez da história do homem, os desafortunados teriam um lugar determinado. As leis sob as quais Israel deveria viver refletiam o propósito de Deus para qualquer ajuntamento de seres humanos em sociedade.

Até uma rápida leitura pelo Pentateuco deixa isto claro. Por exemplo, os fazendeiros deveriam deixar as arvores na borda de sua propriedade sem colher o que caísse no chão, para que os pobres colhessem e tivessem o que comer (Lv 19:9-10). Outro exemplo claro do propósito divino é o princípio do Jubileu. A cada 50 anos toda propriedade voltaria para a família original e todos os débitos seriam cancelados (Lv 25). Infelizmente, Israel jamais seguiu estas normas de Deus e, conseqüentemente, sofreu de acordo com o julgamento provido por Deus na sua Aliança.

É interessante notar que os profetas que perceberam a situação receberam a mensagem de Deus e proclamaram-na.

Ambos, Isaías e Ezequiel, referiam-se a uma cidade onde toda injustiça e quebra da Aliança não aconteceria. Isaías 60 e Ezequiel 48 são exemplos claros desta expectativa. Isaías fez muitas referências explícitas a esta cidade. As descrições e expectativas são claras paralelas à Nova Jerusalém. Esta cidade tem uma posição tão importante que Is 60:14 a chama de “a cidade do Senhor, a Sião do Santo de Israel”. Esta cidade, a Nova Jerusalém, será o centro do mundo.[13]







A Cidade descrita de Isaías 60

A semelhança desta cidade descrita por Isaías, como a Nova Jerusalém, explica porque ela ocupa uma posição tão central. Como na Nova Jerusalém as nações virão para a luz desta cidade. Os reis virão para a claridade (Is 60:3), Isaías não identifica claramente como João de onde a luz vem; entretanto, há pouquíssima dúvida sobre a sua origem. Há somente uma luz que atrairia os reis das nações desta maneira. Tem que ser uma luz mais forte do que a glória deles mesmos. Para Isaías é a glória de Deus que se eleva sobre os povos; para João é a glória do Senhor que está na cidade.

Ezequiel declara a razão porque esta luz é tão impressionante quando ele descreve os portões da cidade. Ele declara que o nome da cidade é “O Senhor está ali” (Ez 48:35). A presença de Deus é a fonte desta luz. Por isso é que João pode dizer que jamais haverá noite na Nova Jerusalém (Ap 21:25). A glória do Senhor proverá luz. É preciso lembrar de que só pelo fato desses reis virem para a cidade, eles estão reconhecendo que Deus é o verdadeiro Rei. E o reconhecimento de que eles estão sob o governo de Deus.

Esta idéia de submissão é mais enfática ainda em Is 60:5. Todas as riquezas das nações vão ser trazidas para a cidade (Lv 21:26). Este era um costume comum entre os participantes de uma Aliança. O participante inferior precisa trazer atributos para manter um bom relacionamento com o superior. A diferença na Nova Jerusalém é que eles estão fazendo isto não porque eles estão presos ao contrario da Aliança, mas porque eles reconhecem quem é Rei da cidade. Aquela glória brilhante não poderia deixar dúvidas.

Isaías 60:11 se refere a outra característica da cidade. Os portões jamais se fecharão. A razão é que os povos poderão trazer as suas riquezas o tempo todo. Esta nova cidade é um lugar de liberdade. É um lugar onde o novo pode vir e passear com toda esta riqueza, sem medo. O contraste é claro em relação às cidades em que eles viviam. Isaías 60:17 nos dá a razão deste contraste: paz e justiça governarão. Nas cidades dos homens o despotismo e a injustiça são as características. A cidade do Senhor é um lugar onde a sua justiça e a paz são as normas de governo. Conseqüentemente, a Nova Jerusalém é, não somente, a esperança de Israel, mas de todas as nações. A Nova Jerusalém é a realização escatológica do propósito divino para acidade. Como Deus é justo, a cidade deverá providenciar um lugar para o homem cultuar a Deus em paz e fazer justiça a todos os homens.

A vinda de Cristo e o seu relacionamento com Jerusalém é importantíssimo para se compreender o significado da cidade. É em Jerusalém que Cristo passa pelas maiores dificuldades e, sem sombra de dúvidas, é lá que ele mora. As próprias palavras de Cristo, em Mt 16:21 e 23:37-39, demonstram como ele mesmo se sentia com relação à cidade.

No primeiro texto o Senhor vê Jerusalém como o lugar do seu sofrimento. É em Jerusalém que a injustiça contra ele acontecerá. Os lideres e o povo da cidade vão tirar a vida do Filho de Deus. Este é provavelmente o ponto mais baixo que uma cidade poderia chegar. O propósito da cidade, sob a graça comum de Deus era a proteção do homem. O governo de uma cidade era o meio providenciado por Deus para controlar a depravação. Conseqüentemente, quando o homem abusou do poder que lhe fora dado e matou o Filho de Deus, eles chegaram ao ponto mais baixo possível.

No segundo texto (Mt 23), Cristo se refere a cidade com pena.

Ele está sentido porque a cidade não alcançou o propósito para o qual ela havia sido criada; entretanto, neste lamento o Senhor dá esperança à cidade. Ele nunca disse que não voltaria mais lá. Como aquele que havia vindo em nome do senhor, Ele haveria de voltar. Na Nova Jerusalém todos O reconheceriam em sua glória. Todos saberão que é o Rei e Governador.

A relação entre Jerusalém e a Igreja também é importante. Em Atos 1:8 achamos o mandamento de Cristo aos discípulos para ficarem lá até que o Espírito Santo venha. Só depois disto eles deveriam partir de lá, através dos portões, levando a mensagem do evangelho. Eles deveriam ir por todo mundo com esta mensagem. Eles deveriam alcançar todas as nações. A semelhança com a Nova Jerusalém é óbvia: no fim será o oposto. De todas as nações povos virão trazendo as suas riquezas para a Nova Jerusalém. Eles entrarão pelos seus portões que estão sempre abertos. Da antiga Jerusalém a Igreja saiu com a luz em direção às cidades em escuridão, de um mundo perdido. No final, na Nova Jerusalém, os povos virão para a eterna luz da glória daquele que originalmente enviou a Igreja.

Como toda cidade a Nova Jerusalém terá gente morando nela. Estes povos são aqueles que foram alcançados pela mensagem da Igreja que partiu da antiga Jerusalém. O Apóstolo Paulo, em Ef 2:19 e Fp 3:20, trata os cristãos como cidadãos dos céus. Este é o povo que habitará a cidade que descerá dos céus. Este é o povo que trará as glórias e riquezas das nações para a cidade. Em Gl 4:25-27, Paulo compara as duas Jerusalém. A Jerusalém da Palestina é compara com Agar, devido a sua triste situação do seu povo: ambos estão sob o domínio de líderes injustos e ainda pior, estes líderes são estrangeiros, não da linhagem de Davi.

Mas a Nova Jerusalém, a que vem dos céus, é compara com Sara, porque ela é livre e mãe de todos os que crêem. Paulo lembra-nos de que Sara era estéril antes dela receber a promessa de um filho. Assim mesmo, Deus fê-la a esperança de todas as nações. Da mesma forma a Nova Jerusalém é a esperança de todos os povos. Todos podem olhar para o futuro quando somente o justo Rei estará à frente e todos virão vê-lo na sua própria cidade.

O livro de Apocalipse é extremamente para se entender o lugar da Nova Jerusalém no plano divino. Uma analise retórica deste livro, demonstra o lugar que esta cidade tem no livro. Ela aparece não somente no final numa posição de proeminência, mas logo após o julgamento final e da nova criação. Esta cidade se torna na residência final e permanente de muitos. É um lugar de segurança, um lugar de comunhão e beleza. Nesta cidade todos os efeitos do pecado não existirão . É óbvio que a Nova Jerusalém não é apenas uma cidade qualquer. É uma cidade muito especial como se percebe numa análise retórica detalhada da estrutura do livro de Apocalipse.

A idéia de uma cidade como o ambiente para o qual Deus está levando João é claro. Em cada divisão do livro há menções de pelo menos um tipo de cidade. A visão de João começa com a responsabilidade que ele teria de escrever às sete cidades. Nas cartas a estas cidades encontramos referências a certas particularidades sobre estas cidades e uma promessa a cada uma delas. Na carta à Igreja de Filadélfia a promessa é explicita com referencia à Nova Jerusalém (Ap 3:12).

Após a carta para as Sete Igrejas, vem os sete ciclos que culminam com o evento final da História da Redenção: a revelação da Cidade Santa. Em cada um destes ciclos encontra-se características que ajudam um melhor entendimento, da Nova Jerusalém. Entre estas ilustrações e analogias, a mais proeminente é Babilônia. A Babilônia representa o anti-tipo da Nova Jerusalém. Babilônia, a cidade mundana que lidera os reinos humanos (Ap 14:8). O contraste com a Nova Jerusalém é óbvio. A Babilônia lidera estes reinos para adultério e orgias, enquanto que na Nova Jerusalém as nações vêm com o melhor de si para louvar o único Rei.

Mais surpreendente ainda é a relação entre Babilônia e a Jerusalém terrena. Apocalipse 11 faz duas comparações assustadoras de Jerusalém com pelo menos duas outras também deturpadas. No verso 8 Jerusalém é chamada de grande cidade, mas ao mesmo tempo são assim chamados Sodoma e Egito. Vale a pena lembrar que foi do Egito que Deus libertou Israel e assim foi fiel a sua Aliança com Abrão. Deus fez de Israel uma nação. Em outras palavras, Jerusalém se tornou um lugar tão ruim quanto o Egito, de onde o povo de Deus fora libertado. Novamente o contraste com a Nova Jerusalém é óbvio. Ela não é comparada com nenhuma outra cidade. Aqueles que estão na Nova Jerusalém são aqueles a quem Deus vem fazendo promessas por todo o livro do Apocalipse: aqueles que são fieis e perseveram.

A nova Jerusalém é chamada santa ( Ap 21:10 ), o que significa que a cidade foi consagrada por Deus como um lugar sem pecado; em outros termos, ela é perfeita em todos os aspectos. O privilégio de viver para sempre na presença de Deus nos constitui seu gracioso dom. Em dado momento na história humana, as pessoas resolveram construir a torre de Babel com o intuito de atingir o céu; Deus, porém, frustrou seus esforços (Gn 11.1-9). À guisa de contraste, Deus toma a iniciativa, trazendo a nova Jerusalém para a terra. Ela é a cidade de Deus que desce para a terra, não dos seres humanos que decidem ligar sua cidade ao céu. A antiga Jerusalém devastada pelo pecado não mais pode ser chamada santa depois da morte de Jesus (ver comentário sobre 11.2). A nova Jerusalém é isenta de pecado e seu nome se resume em a cidade santa.[14]


Preparando-nos para a revelação da Nova Jerusalém, João descreve a queda da Babilônia. Esta queda é importante porque demonstra a finitude da Babilônia, em contraste com o caráter eterno da Nova Jerusalém. Apocalipse 8 retrata o destino da Babilônia. No verso 10 a destruição do seu poder é anunciado; no verso 16 a ruína de sua riqueza é proclamada e, no verso 19 o seu povo poderoso é também destruído. Como se existisse alguma dúvida ainda, João deixa claro, nos versos 21-24, onde a destruição final da Babilônia é relatada. O palco está pronto para a revelação da cidade eterna. A cidade onde o líder e a autoridade não levarão ninguém para caminhos perversos. Na Nova Jerusalém nunca jamais penetrará cousa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira (Ap 21:27).

A Nova Jerusalém representa o ultimo estado no campo espiritual de comunhão com Deus. A Nova Jerusalém é a realização da comunhão da comunidade redimida, vivendo na presença de Deus.[15] Na Nova Jerusalém a luz da glória do Cordeiro vai iluminar o caminho para os reis virem com seu esplendor para a cidade. Agora eles não são mais os opressores, mas vem se submeter a Deus. A cidade, lugar que os reis usaram para oprimir o povo se torna o lugar da reconciliação deles com a autoridade máxima, DEUS. A centralidade do Cordeiro que permeia toda a história é totalmente expressa. Os portões da cidade estarão abertos para sempre, de modo que as nações possam vir e cumprir o seu propósito. Eles vem trazer a sua glória e honra para aquele a quem eles se recusaram a reconhecer. Como Kline diz, a cidade não é o reino de Satanás (Kline, 1983, p. 28), e isto porque o Rei da cidade é Cristo a quem Deus exaltou acima de todos. Como se não bastasse, Paulo diz aos Filipenses: “para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai”. (Fp 2:10-11)

A Nova Jerusalém é onde esta proclamação de Paulo será totalmente cumprida.


Sugestões Bibliográficas

Henry Barclay, Swete, Commentary on Revelation (1911; reimp. em Grand Rapids: Kregel, 1977

Hendriksen, William. Mais Que Vencedores. São Paulo, SP: CEP. 1987

G. B. Caird (A Commentary on the Revelation of St. John the Divine [Londres: Black, 1966],

Beasley-Murray, G. R. – The Book of Revelation – New Century Bible Greenwood: Attic Press, Inc, 1978.

Kline, Meredith G. – Images of the Spirit – Baker Biblical Monograph Grand Rapids: Baker Book House – 1980.

Ladd, George E. – A Commentary on the Revelation of John – Grand Rapids: Eerdmans – 1972.

Morris, Leon – The revelation of St. John – Tyndale New Testament Commentaries – Grand Rapids: Eerdmans – 1976.

Mounce, Robert H. – The Book of Revelation – The New International Commentary of the New Testament Grand Rapids: Eerdmans – 1977.

Rissi, Mathias – The Future of the World – Naperville: lec R. Allenson Inc, 1966.

Rissi, Mathias – Time and History: a study on the Revelation – Richmond: John Knox Press – 1966.

[1] Kline, Meredith G. Images Of The Spirit. Baker Biblical Monograph Grand Rapids: Baker Book House.1980, p. 26
[2] Gerhard A. Krodel (Revelation, ACNT [Minneapolis: Augsburg, 1989], pp. 344-45) observa que Paulo descreve sua visão dos cristãos sendo “arrebatados” nas nuvens (1Ts 4.17), João, porém, indica um movimento oposto dos santos redivivos descendo do céu para a nova terra.
[3] Ladd, George. A Commentary on The Revelation Of John. Grand Rapids : Eerdmans. 1972, p. 276
[4] Morris, Leon. The Revelation Of The John . Thindale New Testament Commentaries. Grand Rapids: Eerdmans. 1976, p. 250
[5]Kline, Op Cit., p. 26
[6] Kline, Op Cit., p. 72
[7] Kline, Op Cit., p. 23
[8] Kline, Op Cit., p. 71
[9] Kline, Op Cit., p. 46
[10] Kline, Op Cit., p. 83
[11] Rissi, Mathias. The Future Of The World. Naperville: R. Allenson Inc. 1966, p. 53
[12] Mounce, Robert H. The Book Of Revelation . The New International Commentary Of The New Testament. Grand Rapids: Eerdmans.1977, p. 385
[13] Rissi, Op Cit., p. 42
[14] Van de Kamp, Israël in Openbaring, pp. 269, 278.
[15] De Young, James C. Jerusalém In The New Testament. N.V. Kamper: J. H. Kok. 1960, p. 163.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Cidades: Fronteiras Missionárias no Séc. XXI

A cidade tem sido objeto de estudo de várias áreas do saber, tais como a sociologia, a antropologia, a história, bem como a teologia. A Bíblia menciona a cidade inúmeras vezes e não poderia ser diferente, considerando que a cidade é uma realidade “humana”.

Freqüentemente, temos feito uma leitura do texto bíblico numa perspectiva rural. Não obstante, o povo de Israel ter sido um povo de comunidade rural durante grande parte de sua história, não se pode negar que a Bíblia é um livro também urbano. Nela encontramos referências às cidades de Roma (650 mil habitantes), Alexandria (400 mil habitantes), Éfeso (200 mil habitantes), Antioquia (150 mil habitantes), apenas para citar algumas.[1] Muitos dos personagens bíblicos foram pessoas da cidade. Davi, Salomão, Jeremias e Isaías viveram e trabalharam em Jesrusalém. O profeta Daniel ocupou um importante cargo na Babilônia. E com Neemias pode-se aprender princípíos de organização e planejamento urbanos (HOFFMANN, 2007, p.56).

O cristianismo primitivo foi um movimento urbano com o compromisso de enfrentar os desafios de sua época. Não tem sido diferente agora no séc. 21. É preciso perceber que a cidade, ainda em nossos dias, se apresenta de maneira desafiadora para a igreja, conclamando-a a entender a sua realidade. Sem essa compreensão a igreja não terá uma ação relevante no ambiente citadino.

Tomei a iniciativa de criar este blog, o qual é um instrumento da cidade do séc. XXI, para ser um espaço de reflexão sobre o fenômeno urbano e, buscarmos com outros colegas e amigos, alternativas para a ação integral da igreja na cidade.

Espero contar aqui com suas sugestões, críticas, e coperação com textos sobre a missão da igreja na cidade.

Anote aí meu e-mail: gildasioreis@terra.com.br

Rev. Gildásio Reis

[1] Estes dados, fruto de um estudo realizado por Chandler e Fox, que trabalharam para documentar as populações mais antigas, estão citadas na obra do sociólogo Rodney Stark em “O Crescimento do Cristianismo”. São Paulo, SP: 1996 pp. 147-149.