sábado, 27 de março de 2010

RESENHA: A Igreja Católica

Por Gildásio Reis

I. Referência bibliográfica

Küng, Hans. A Igreja Católica. Rio de Janeiro, Objetiva. 2002, 263p. (Coleção História Essencial)

II. Apresentação do autor da obra

Hans Küng nasceu em 19 de Março de 1928 na Suíça. Entrou para vida religiosa estudando na Universidade Gregoriana em Roma e Paris, sendo ordenando padre católico-romano em 1954 e em 1957 concluiu seu doutoramento em teologia com a tese Justification, em que trata da questão da justificação da fé. Tornou-se professor de teologia da Universidade de Tübigen (1960-1996) na Alemanha, onde também a partir de 1963 dirigiu o Instituto de Pesquisa Ecumênica. Teve papel fundamental no Concílio Vaticano II sendo nomeado peritus (consultor teológico) pelo Papa João XXIII e ajudou na redação das conclusões do concílio que renovou áreas fundamentais do ensino e das práticas católicas. (dados extraídos da Introdução do livro feita pelo autor)
Desde os anos da década de 1960 Küng foi um dos críticos mais severos da Infalibilidade Papal, publicou em 18 de janeiro de 1970, centenário da declaração da infalibilidade papal no Concílio Vaticano I, o livro Infallible? An Inquiry em que esmiuçou e rejeitou o caráter infalível de qualquer decisão papal e da cúria. Em 1979 publicou nos principais jornais do mundo seu artigo Um ano de João Paulo II que demonstrou o reacionarismo do papa ao aceitar só nominalmente o Concílio Vaticano II, quando na substancia fortaleceu a centralização curial, impôs o culto a personalidade, endossou a exclusão das mulheres do sacerdócio e a permanência do celibato; como conseqüência desse artigo e sua críticas a infalibilidade, teve sua licença para lecionar como teólogo católica cassada pelo Papa João Paulo II. (cf. pg 16)

Depois da proibição foi nomeado professor de teologia ecumênica de Tübigen onde pode desenvolver seus estudos sobre ecumenismo em particular com relação ao Luteranismo; nesta tarefa Küng se sente totalmente à vontade já que se dedica prioritariamente à união dos povos, das raças, das religiões, enfatizando o que há de comum entre eles, relativizando o que os separa. Em sua tese de doutorado , Justificação em 1957 já tinha chegado a conclusão da possibilidade de um acordo teológico entre catolicismo e luteranismo que foi efetivamente realizado em 1999.

Küng se aposentou como professor em 1996 e logo a seguir foi eleito presidente da Fundação Ética Global de Tübigen.
Considerado como o teólogo mais polêmico e problemático de hoje, seus 70 anos apresentam, em retrospectiva, um panorama esplêndido de atividade acadêmica, científica e literária como muito poucos podem oferecer. Seu pensamento destina-se a esclarecer o genuinamente cristão e católico, desmascarando, sem medo, tudo o que de espúrio e corrupto se introduziu no cristianismo ao longo de sua história de séculos. O viver e o acontecer da Igreja é seu campo de pesquisa e sua luta, que o levaram a enfrentamentos, acareações e condenações da Igreja oficial.

III. Breve síntese da obra
Hans Küng, um dos pensadores católicos mais influentes da atualidade, conhece bem de perto a Igreja Católica e suas contradições. Nesta obra, A IGREJA CATÓLICA, contendo 8 capítulos, Küng nos oferece um relato conciso, mas contundente, e como ele mesmo afirma, “como alguém que estudou esta história a vida inteira e viveu parte dela”.
A IGREJA CATÓLICA” trata-se de um texto envolvente, o livro descreve, passo a passo, a trajetória da Igreja que se tornou a mais poderosa representante do cristianismo, desde suas origens na Palestina e em Roma, passando pelas disputas da era medieval e pela Reforma, até a era moderna.

1. Os Primórdios da igreja
O autor procura dar uma visão histórica da Igreja Católica que compreende o período do primeiro século. Discorre sobre o significado do termo “igreja” e fala da “primeira igreja” destacando nas pessoas de Pedro e de Paulo sua principal liderança.
Hans Kung afirma que o apóstolo foi à figura chave para a mudança de paradigma do cristianismo judaico para o cristianismo gentio.

2. A Igreja Católica Inicial.
Este capítulo cobre os séculos 2 a 4. Aqui, o autor descreve um pouco sobre a organização da igreja inicial, fazendo destaques sobre a liderança dos bispos e diáconos, sobre a perseguição que aconteceu sob Dominiciano (81-96), Nero (64) e depois descreve alguns apontamentos sobre o judaísmo.

O autor ainda chama a atenção para os primeiros mártires da igreja, dentre eles, Inácio de Antioquia e Policarpo de Esmirna, bem como algumas mulheres que também foram martirizadas como Blandina, Perpétua e Felicidade.
Neste capítulo, Hans Kung escreve sobre os grandes apologistas como Justino e Orígenes. Este último, o primeiro mártir verdadeiro gênio entre os muitos padres da igreja. pg. 53

3. A Igreja Católica Imperial

Neste capítulo, o autor descreve a história da igreja Católica no período do Império Romano, quando em 325, Constantino Tornou-se o soberano do Império Romano e a partir daqui, o cristianismo passa a ser a religião do Estado.

Neste período da Igreja Estatal surgem os teólogos como Agostinho de Hipona (354-430). Hans Kung descreve a atuação de Agostinho e sua contribuição para o cristianismo na cristandade.

4. A Igreja Papal.

Deixando a igreja sob o império, passa-se agora a fazer uma discrição da igreja sob o domínio dos papas. Aqui, Hans Kung, como escritor, mas com rigor científico, revela a realidade do cristianismo vivido durante o período conhecido como Idade Média. Ele, o autor, expõe os erros do papado, fazendo duras críticas dizendo inclusive que o papado ampliou seus poderes através de fraudes explícitas.

5. A Igreja Está Dividida.

Este período, que vai do séc. X até a Reforma do séc. XVI é descrito pelo autor como uma fase difícil onde a igreja sofre uma grande divisão em razão de suas divisões e crises internas. É o período das Cruzadas e das Inquisições.

6. Reforma da Igreja, Reforma ou Contra-Reforma/?

O autor descreve a vida da Igreja católica, o novo mundo que a influencia (iluminismo) e expõe sua visão sobre a atuação de Lutero e os desdobramentos que chegaram à Reforma. Hans Kung reconhece que o Reformador estava certo em suas propostas reformistas, mas sem deixar de frisar que Lutero tinha também seus exageros. (Citação da pág 166)

Hans Kung termina este capítulo descrevendo a Contra-Reforma Católica Romana.



7. A Igreja Católica Romana.

O período onde a razão humana é o principal valor da modernidade – pg. 187

Desenvolveu-se a crença na onipotência da razão e na possibilidade de dominar a natureza. Este período, chamado de Iluminismo, trouxe alguns problemas para a Igreja Católica, dificuldade esta que não seria preocupante, caso a Igreja Católica soubesse enfrentar a revolução cultural que estava no cenário.

8. A Igreja Católica- Presente e Futuro.

Hans Kung pensa agora a Igreja Católica do séc. XIX. E a grande observação que ele tece sobre a Igreja Católica Romana neste período é o silêncio desta quanto ao Holocausto. Faz algumas observações sobre o papado neste séc. – dentre os vários papas, ele afirma que João XXIII (1958-1963) foi o papa mais importante do séc. XX.

O autor faz uma avaliação do Concílio Vaticano II e destaca os seguintes pontos positivos do mesmo:

a. Várias associações cristãs foram reconhecidas como igreja. Neste Concílio houve uma clara defesa do Ecumenismo.

b. Há um novo respeito pela Bíblia, culto e pela teologia.

c. Houve uma valorização para o laicato

d. Houve uma reforma da devoção popular.

e. O papa reconhece os erros cometidos contra o judaísmo pela Igreja Católica.

f. O reconhecimento público de há também a salvação para aqueles que estão fora do cristianismo até para judeus, ateus e agnósticos.

g. Houve a valorização da cultura e da modernidade.

Conclusão: Que Igreja tem Futuro.

Ele conclui sua obra relatando quatro condições que a Igreja Católica precisa preencher para que ela tenha futuro:

1ª.) Ela não pode regredir aos postulados da igreja medieval.

2ª.) Não pode ser patriarcal. Precisa dar espaço para as mulheres.

3ª.) Não pode ser estreitamente confessional.

4ª.) Não pode ser exclusivista, mas precisa ser tolerante e universal.

IV. Pensamentos do autor que destaco na obra.
1º.) Não se pode afirmar que os bispos sejam sucessores dos apóstolos no sentido estrito. Hans Kung afirma ser impossível encontrar na fase inicial do cristianismo uma cadeia ininterrupta de imposição de mãos dos apóstolos até os bispos de hoje. Pg 48

2º.) Aponta dois erros de Agostinho: 1. Por ter procurado justificar teologicamente as conversões forçadas, a inquisição e a Guerra Santa contra os invasores. Pg 77 e o segundo erro, por ter legado a toda a Igreja Católica do Ocidente à doutrina do pecado original como sendo o pecado sexual. Pg. 78

3º.) A clara explicação da natureza e conteúdo da obre magna de Santo Agostinho – “A Cidade de Deus” – pg. 81-82

4º.) A coragem de expor os erros da liderança papal, afirmando que os papas, em sua maioria, ampliavam o poder com fraudes explícitas. Pg. 91

Hans Kung demonstra esta ousadia ao comparar o pontificado de João Paulo II a João XXIII. Em comparação aos sete anos gordos da ICR que coincidiram com o pontificado de João XXIII (1958-1985), os três vezes sete anos de João Paulo II são magros em substância (pg. 237). “Se João XXIII foi o papa mais importante do séc. XX João Paulo II é o mais contraditório” pg. 242

5º.) Ao escrever sobre a Reforma Protestante do séc. XVI demonstra honestidade e isenção ao dar detalhes que levaram à Reforma, reconhecendo que Martinho Lutero estava certo em suas posições.

Citação pg. 166

6º.) Lamenta a reação que a Igreja Católica teve para com o modernismo. Segundo ele, a Igreja Católica deveria acompanhar as mudanças e não adotar uma postura reacionária e medieval como fez. Pg. 187.

7º.) Sua crítica ao dogma de pio IX da Imaculada Concepção de Maria, de 1854.

Diz Hans Kung: “Não encontramos uma palavra na Bíblia nem na tradição católica do primeiro milênio sobre este assunto”, Pg. 204

8º) Ele é de opinião que a ICR não deveria ter se silenciado sobre o Holocausto, pois ao fazê-lo recusou-se a fazer um protesto moral- pg. 223

9º) Sua avaliação sobre o Vaticano II (1962-1965) é de grande importância, onde segundo ele, para a ICR onde este representou uma grande virada. – pg. 226

Conclusão pessoal

O texto de Hans Küng é pontuado com perguntas instigantes: terá Jesus de Nazaré fundado uma igreja? Jesus era católico? Küng examina também questões fundamentais como: o celibato; a tensão histórica na Igreja entre pluralismo e exclusivismo; a mudança do papel do papa; as motivações dos grandes pontífices reformadores; a evolução das funções dos concílios, dos bispos e dos cardeais; o entusiasmo da instituição pela atividade missionária; as origens do culto mariano e as ondas de choque da Reforma e da Contra-Reforma que ainda podem ser sentidas hoje. Ao final, o autor faz uma avaliação rigorosa de como a fé católica enfrenta certos aspectos do novo milênio, como os avanços da ciência, as conquistas sociais das mulheres, a liberação sexual e a reforma das escrituras da Igreja.

Por suas idéias que preconizam uma reforma radical do catolicismo de acordo com o critério do evangelho, Hans Küng sofreu represálias e punições do Vaticano.

Termino citando a advertência que o autor fez no prefácio:

"Aqueles que até agora não foram seriamente confrontados com os fatos da história podem ficar chocados ao constatar quão humano foi o curso dos acontecimentos em toda parte, de fato, quantas das instituições e constituições da igreja — e especialmente a instituição central romana católica do papado – são feitas pelo homem. No entanto, este mesmo fato significa que estas instituições – o papado em particular – podem ser modificadas e reformadas. Minha ‘destruição’ crítica é oferecida a serviço da construção, reforma e renovação, para que a Igreja Católica possa continuar viva no terceiro milênio." Pg 24

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